Judas... Priest?

Putz cara, nunca achei que usaria uma música da Lady Gaga para nome de um post, mesmo ouvindo ela de vez em quando. Mas não há nome melhor para a história que aconteceu comigo hoje.

É uma história real, mas colocarei em itálico como se fosse um conto. Ah, não sejamos hipócritas: todo texto fica ÉPICO em itálico!



Regina Spektor - Laughing With por warnermusicbr no Videolog.tv.




" Rio de Janeiro, 8 de maio de 2011

   O trem está demorando... De que adiantou sair correndo de casa, se ainda falta uma hora para o próximo?

   Para início de conversa, sou louco só por estar ali, esperando o trem. São 18:14 ,  ele só chega às 19:19. E eu estou indo correr no Maracanã.

     Meu celular , para variar, estava com defeito. Sem música. Sem leituras. Sem estranhos para puxar conversa. Azar, tive que conversar comigo mesmo enquanto me alongava e fazia flexões para não perder tempo.

   O que pensei naquele longo e sombrio solilóquio, sinceramente não lembro. O que aconteceria em seguida me faria esquecer tudo. Mas, naquele momento isolado, a vida me revoltou mais uma vez. E eu mais uma vez me conformei, inconformado, com minha incapacidade de mudar os fatos.

   Faróis distantes. O horário já não importa. Ou melhor: importa, e muito. Mas apenas na medida em que me diz quanto tempo falta para tudo acabar; para outro dia nascer, e minha fé na humanidade ressuscitar.

   Estou sentado no banco do vagão, com uma expressão assustadoramente neutra. Falta pouco, mas vai demorar. E ela entrou.

   Uma senhora, de cinquenta e tantos anos , aparência humilde. Estava cantando uma música indecifrável em pé, apesar de haver assentos de sobra. Curioso, me curvei para escutar melhor, e me assutei com a familiaridade. Era uma música de igreja, provavelmente evangélica, que invadiu minha alma e me lembrou dos velhos tempos ( para quem não sabe, até a oitava série eu sonhava em ser padre. E era o coroinha da minha igreja. Até, é claro, aqueles dias fatídicos recaírem sobre mim. Mas não serei hipócrita: é muito bom ter fé. ).

   Hipnotizado com a voz, que era divina em mais de um sentido, esqueci de minha revolta e, sem notar, esbocei um sorriso besta. Acidentalmente ( ou não ), perdi o pudor espiritual e fixei meu olhar nela. Ela olhou para mim e sorriu, e eu prontamente desviei o olhar, tomado por uma tímida vergonha. Ao que ela respondeu sentando-se ao meu lado e cantando mais alto.

   Fiquei imóvel, por vezes olhando de lado, por vezes fechando os olhos, mas completamente conquistado pela canção. Mas já estava claro que ela estava cantando para mim.

 - Bonita, não é?
- Ahh... Sim , muito.
- Eu mesma que compus.

   O anjo falava.

- Falaram lá que eu não sabia compor, mas essa ficou bem bonita. Olha só.


   E ela me mostrou a letra, escrita à mão em uma folha de papel rasgada. Erros semânticos e ortográficos. Melhor que Vinícius de Morais. A memória me falha, não lembro da letra agora. Talvez minha mente mortal não pudesse compreendê-la em toda sua glória. Enquanto eu lia, ela voltou a cantar.


   Entre todos aquelas pessoas, naquele horário, naquela noite, naquele vagão, ela falou comigo. Só por causa de um sorriso. Quando me dei conta do que havia acontecido, sorri. Dessa vez, um sorriso de verdade, largo, feliz.


- A senhora é da igreja?


   Perto de um anjo, todas as línguas desenrolam perguntas estúpidas e já respondidas.


- Sim, sim.


   Quando a viagem é boa, o trem anda mais rápido. Já estava quase na minha hora. Ela abriu a bolsa a pegou uma bíblia, que claramente já havia sido molhada ou havia caído em uma poça, mas agora estava seca.Era um livro muito malcuidado.,  Como um soldado que vai para a guerra e volta velho, com apenas cicatrizes e histórias.


- Aqui, me filho: Isaías ( ou seria Asimaías? ) era um sábio. Temos que ouvir o que ele diz. Mas só no começo, no final ele erra o caminho.


   Não sabia o que significava aquilo. Mesmo assim, abracei ela de lado, sem levantar do banco. Aos poucos, o ar me subiu à garganta e eu pude falar.


- Brigado, senhora. Eu realmente estava precisando disso.


   Talvez assutada com minha reação, ela se limitou a , novamente, sorrir. E voltou a cantar, agora olhando para mim como todo anjo deveria olhar para um mortal.


   Minha hora estava iminente. Não havia como prolongar mais aquele memomento, por mais que eu quiseste. Me levantei e me dirigi à porta.


- Infelizmente, senhora, preciso ir. Mas a música é muito bonita.
- Tudo bem, meu filho( e mais um sorriso acolhedor). Só não se esqueça da palavra.


   Não havia, no momento, nada que ela pudesse dizer que me fosse mais doloroso. Eu sou Ateu. Reneguei completamente a palavra, vivo sem a palavra, me esqueci da palavra.


- Não vou me esquecer.


   Será que um homem que mente para um anjo está condenado a queimar no mármore e no enxofre se o fizer por ignorância, ingenuidade, ou por ser humano? Não queria decepcionar aquela mulher: ela achava que sua missão, por hora, estava cumprida. Saí do trem rápido, sem olhar para trás. Decepcionado com mim mesmo pela minha falta de fé, mas sem nenhuma intençao de voltar atrás. Eu sei bem onde deposito minhas convicções. E, mesmo não crendo, me foi concedida paz de espírito: eu estava bem, feliz em meu ceticismo.


   Há ainda muitos ateus a serem catequizados, mesmo que não se convertam. Nada melhor do que viver com a paz metafísica de algo inexistente para você. Me sinto abençoado pelo vazio, mas ainda sim abençoada. A senhora precisa, pelo bem dos não-crentes e dos que já perderam a fé, continuar cantando.


   Acho que ela, por ora, cumpriu sua missão.


"


   Sei que estou me repetindo, mas volto a dizer: Sempre que acho que a vida não pode mudar, ela me dá um soco no estômago e eu acordo para a realidade.

   A noite, para mim, acabou bem.


Agora, voltarei para a outra questão que tenho em mente. Espero tomar logo uma decisão. E espero não screwar up dessa vez.

P.S. - Sim, eu sobrevivi ao Maracanã. E pretendo continuar assim: Correr à noite é muito bom!

P.S. 2 - Me identifico bastante com a letra da música no começo do post. Uma frase em especial torce meu coração toda vez que eu ouço.